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quinta-feira, 7 de junho de 2012

une radio, un sorrise

Dormiu com o rádio ligado. Tocava uma dessas canções que falam da saudade. A noite estava fria, mas no quarto improvisado a sensação era outra. Debaixo das cobertas, seu corpo esta aquecido. Sentira-se muito bem naquele dia.

A noite estava agradável, teve um sono profundo. Não percebeu as músicas que tocavam, e nos sonhos, teve a sensação de estar na companhia daquele sorriso novamente. Há tanto tempo não o via. Em sonho, a saudade daquele sorriso se ia embora com o vento. A saudade daquele sorriso não existia, pois em sonho, aquele sorriso nunca partira.

Acordou com uma ótima disposição no dia seguinte. Em cima de sua mesa bagunçada, apenas um canto parecia organizado. Fotos 3x4 dispostas de tal modo, que se vistas de longe pareceriam uma imagem una. Rostos perdidos no tempo e no espaço de uma vida, de uma história.

Levantou-se de sua cama, foi ao banheiro. Lavou o rosto, escovou os dentes. Foi à cozinha e tomou uma xícara de café, acompanhada por um pão com manteiga apenas. Uma fruta acompanhou sua ida até o quarto, mas permanecera ali até a hora do almoço.

Não faria nada aquele dia. Não havia nada a fazer. Todos naquela casa dormiam ainda. Mas já estava na hora de acordar. O rádio permanecera ligado o tempo todo, e em sua programação tocava as mais variadas músicas de sempre. Sempre a mesmice de amor, saudade e solidão.

Lembrou-se de algo que ouvira na noite anterior. Lembrou-se da música. Do sorriso. Ah, aquele sorriso. Lembrou-se do dia em que o vira, ou que o notara, pela primeira vez. Sempre esteve ao seu lado, mas somente naquele dia pode ver quão belo era.

Seu coração bateu mais forte ao vê-lo. Estava com a mente viajando por entre linhas e cores. Fantasiava lembrando das fotografias 3x4 que sempre colecionou. Mas aquele sorriso, aqueles olhos, não faziam parte da coleção. Não queria que fizessem. Tudo acontecera numa fração de segundos. Um olhar. Um sorriso. Um cumprimento singelo. Um adeus.

Em sua mesa, as fotos 3x4 entregavam olhares desconhecidos. Pensamentos lhe vinham à mente. Não seus pensamentos. Pensamentos aleatórios, que brotavam de expressões e rostos daquelas fotografias.

O rádio tocou sua canção favorita. E o sorriso lhe veio novamente à tona. Pensou em tudo o que havia acontecido, em como deixou-lhe escapar tal oportunidade. Pensou nas fotos em cima de sua mesa. Buscou algo para fazer naquele dia. Pensou em tudo o que poderia fazer. Nada lhe veio à mente.

Pegou um livro qualquer em seu armário, tentou ler, sem sucesso. Ligou o computador. Navegou um pouco pela internet. Olhou algumas fotos de momentos agradáveis. Tentou jogar algo que não lhe deteve por muito tempo. As fotografias continuavam ali, mas agora sugeriam algo.

Olhou em volta, todos ainda dormiam. Pegou um caderno e pôs-se a escrever algo. Pesquisou um pouco em alguns websites, algo sobre fotografia, sobre filosofia, e mesmo algo sobre sociologia. Tudo estava decidido, um tratado deveria ser escrito.

Mas algo o desanimou em seguida. Revirava alguns papéis, quando se deparou com aquele mesmo sorriso. Tentou não olhar para aquela foto. Desviou o olhar, revirou mais alguns papéis, mas a curiosidade foi mais forte. Mexeu na ferida que tanto lhe doía.

Aquele sorriso lhe apareceu novamente, e agora, mais nítido que no sonho. O olhar era o mesmo daquele dia. E a foto parecia tão real. Parou tudo o que estava prestes a começar. Pensou um pouco e logo mais, não sabia para que toda aquela preparação.

Amontoou tudo novamente. Teve o cuidado de guardar todas as fotografias em uma pequena caixinha de madeira. Menos a do sorriso. Esta fez questão de manter onde seus olhos poderiam enxergar.

Guardou tudo o que havia pego. Foi à cozinha, preparou algo para beber. Voltou para seu quarto improvisado. Olhou pela última vez aquela foto 3x4. Foi até a janela, e de lá, deixou que o vento se encarregasse de levar a única lembrança que lhe restava daquele sorriso.

Lançou-a contra o vento. Fechou a janela, as cortinas. Deu de costas, ligou a TV. O rádio ainda estava ligado. Ficou na cama o dia inteiro. Fazia muito frio naquele dia, e mesmo com a porta fechada, o vento insistia em entrar pela beirada mais estreita. Não ligou para o que os outros diziam. Não se levantou, e ficou ali com seus pensamentos.

O rádio foi desligado. A TV ficou em silêncio. As fotos 3x4 guardadas como em um segredo. E aquele sorriso permaneceu em sua lembrança, e num vaso de planta qualquer do jardim. Mas disso, não ficara sabendo.

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