A noite estava agradável, teve um sono profundo. Não
percebeu as músicas que tocavam, e nos sonhos, teve a sensação de estar na
companhia daquele sorriso novamente. Há tanto tempo não o via. Em sonho, a
saudade daquele sorriso se ia embora com o vento. A saudade daquele sorriso não
existia, pois em sonho, aquele sorriso nunca partira.
Acordou com uma ótima disposição no dia seguinte. Em cima de
sua mesa bagunçada, apenas um canto parecia organizado. Fotos 3x4 dispostas de
tal modo, que se vistas de longe pareceriam uma imagem una. Rostos perdidos no
tempo e no espaço de uma vida, de uma história.
Levantou-se de sua cama, foi ao banheiro. Lavou o rosto,
escovou os dentes. Foi à cozinha e tomou uma xícara de café, acompanhada por um
pão com manteiga apenas. Uma fruta acompanhou sua ida até o quarto, mas
permanecera ali até a hora do almoço.
Não faria nada aquele dia. Não havia nada a fazer. Todos
naquela casa dormiam ainda. Mas já estava na hora de acordar. O rádio
permanecera ligado o tempo todo, e em sua programação tocava as mais variadas
músicas de sempre. Sempre a mesmice de amor, saudade e solidão.
Lembrou-se de algo que ouvira na noite anterior. Lembrou-se
da música. Do sorriso. Ah, aquele sorriso. Lembrou-se do dia em que o vira, ou
que o notara, pela primeira vez. Sempre esteve ao seu lado, mas somente naquele
dia pode ver quão belo era.
Seu coração bateu mais forte ao vê-lo. Estava com a mente
viajando por entre linhas e cores. Fantasiava lembrando das fotografias 3x4 que
sempre colecionou. Mas aquele sorriso, aqueles olhos, não faziam parte da
coleção. Não queria que fizessem. Tudo acontecera numa fração de segundos. Um
olhar. Um sorriso. Um cumprimento singelo. Um adeus.
Em sua mesa, as fotos 3x4 entregavam olhares desconhecidos.
Pensamentos lhe vinham à mente. Não seus pensamentos. Pensamentos aleatórios,
que brotavam de expressões e rostos daquelas fotografias.
O rádio tocou sua canção favorita. E o sorriso lhe veio
novamente à tona. Pensou em tudo o que havia acontecido, em como deixou-lhe
escapar tal oportunidade. Pensou nas fotos em cima de sua mesa. Buscou algo
para fazer naquele dia. Pensou em tudo o que poderia fazer. Nada lhe veio à
mente.
Pegou um livro qualquer em seu armário, tentou ler, sem
sucesso. Ligou o computador. Navegou um pouco pela internet. Olhou algumas
fotos de momentos agradáveis. Tentou jogar algo que não lhe deteve por muito
tempo. As fotografias continuavam ali, mas agora sugeriam algo.
Olhou em volta, todos ainda dormiam. Pegou um caderno e
pôs-se a escrever algo. Pesquisou um pouco em alguns websites, algo sobre
fotografia, sobre filosofia, e mesmo algo sobre sociologia. Tudo estava
decidido, um tratado deveria ser escrito.
Mas algo o desanimou em seguida. Revirava alguns papéis,
quando se deparou com aquele mesmo sorriso. Tentou não olhar para aquela foto.
Desviou o olhar, revirou mais alguns papéis, mas a curiosidade foi mais forte.
Mexeu na ferida que tanto lhe doía.
Aquele sorriso lhe apareceu novamente, e agora, mais nítido
que no sonho. O olhar era o mesmo daquele dia. E a foto parecia tão real. Parou
tudo o que estava prestes a começar. Pensou um pouco e logo mais, não sabia
para que toda aquela preparação.
Amontoou tudo novamente. Teve o cuidado de guardar todas as
fotografias em uma pequena caixinha de madeira. Menos a do sorriso. Esta fez
questão de manter onde seus olhos poderiam enxergar.
Guardou tudo o que havia pego. Foi à cozinha, preparou algo
para beber. Voltou para seu quarto improvisado. Olhou pela última vez aquela
foto 3x4. Foi até a janela, e de lá, deixou que o vento se encarregasse de
levar a única lembrança que lhe restava daquele sorriso.
Lançou-a contra o vento. Fechou a janela, as cortinas. Deu
de costas, ligou a TV. O rádio ainda estava ligado. Ficou na cama o dia
inteiro. Fazia muito frio naquele dia, e mesmo com a porta fechada, o vento
insistia em entrar pela beirada mais estreita. Não ligou para o que os outros
diziam. Não se levantou, e ficou ali com seus pensamentos.
O rádio foi desligado. A TV ficou em silêncio. As fotos 3x4
guardadas como em um segredo. E aquele sorriso permaneceu em sua lembrança, e
num vaso de planta qualquer do jardim. Mas disso, não ficara sabendo.
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