Havia algo de estranho no ar. Olhava ao redor, pessoas se juntavam
àquela espera, longa e extenuante, cada qual com seu guarda chuva. Vizinhos
observavam o pequeno grupo que se formara. Na rua, triste e vazia, apenas as
gotas da chuva se faziam perceber.
O dia não começou muito bem. Esperou pelo ônibus 103, que leva
ao centro. Esperou pouco mais de meia hora. Desistiu. Voltou para casa. Abriu o
portão, fechou o guarda chuva, entrou e o colocou num canto qualquer daquele
longo corredor. Secou os pés, trancou o portão. Abriu a porta da sala e foi
direto para seu quarto.
Deitou-se novamente em sua cama. Lhe vinha à mente as
bandeirolas da festa. Festa essa que não fora. A decoração permaneceu lá por
mais dois dias, e da plataforma da estação de trem podia ver os fios pendurados
com bandeirinhas coloridas.
Em meio ao pátio gramado ainda restavam algumas barracas.
Ligou o computador, foi a cozinha e preparou um chocolate quente. Era uma manhã
chuvosa e fria. Voltou ao seu quarto, ajeitou-se entre as cobertas, ficando o
mais confortável possível.
Vagou um pouco em seus pensamentos e, num instante
repentino, pôs-se a escrever algo sobre as bandeirolas. Não havia ido à festa,
mas começou a imaginar e viajar por entre a diversidade de cores das pequenas
bandeirinhas, que juntas, de longe, pareciam encher aquele pátio de alegria.
Não tinha muito tempo, logo teria de sair para seu
compromisso de sempre. Todas às tardes, no horário de sempre. Escreveu pouco
mais que uma página e decidiu não mostrar aquilo a ninguém.
Olhava pela janela daquele quarto improvisado, e notou que o
céu estava agora mais cinza do que antes. Colocou um ponto final em seu texto.
Desligou o computador. Foi até a cozinha e preparou mais um chocolate quente,
dessa vez, com uma dose bem caprichada de conhaque.
Tomou ali mesmo, próximo ao fogão com a chama ainda acesa.
Olhou no relógio de pulso que roubara de alguém, viu que o sol já devia estar
alto. Era hora do almoço. Porém, todos naquela casa pareciam dormir.
O silêncio era grande. Foi ao quarto, vestiu o casaco de lã,
colocou a mochila nas costas e saiu sem pegar o guarda chuva.
O céu estava mais escuro agora. Chovia pouco, uma chuva fina
e gelada. Trancou o portão. Foi ao ponto de ônibus e pegou o 103, que leva para
o centro. Sentou-se em um banco qualquer. Desceu antes de chegar à estação de
trem. Decidiu ir a pé naquele dia.
Subiu as escadas da estação. Entrou. Desceu as escadas da
plataforma. Sentou-se no banco de sempre. Ao seu lado sentou-se uma senhora. E
só então percebeu que o pátio também estava cinza, e a única cor que deixava-se
à mostra, ainda que timidamente, era o verde do gramado molhado.
As bandeirinhas não estavam mais lá. E o dia permaneceu
cinza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário