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sexta-feira, 13 de julho de 2012

le trois


A festa havia acabado. A lua já se preparava para dar espaço ao astro rei. Ainda se ouvia um som aqui ou ali, mas as ruas estavam vazias. Aos poucos foram se despedindo das outras pessoas que lhes acompanhavam. A noite não estava fria. Não estava quente também. O tempo era agradável a qualquer um que por ali quisesse flanar.

Três corpos. Três almas caminhando por entre a selva de pedra. Amor. Tesão. Sexo. Palavras estas que rondavam pelo ar. Seus corpos exalavam sensualidade. Entre olhares e sorrisos, como que por instinto suas bocas se tocaram. Não havia mais ninguém ali. Apenas três jovens com vontade de curtir. Experimentar o novo.

Poderiam entrar em qualquer espaço da avenida, mas decidiram ir a um lugar reservado. Garotos de programa, prostitutas, mendigos, uma cidade suja começara a aparecer. O cheiro de sexo agora estava no ar. Encontraram um motel ou algo parecido em uma das esquinas. Entraram.

A timidez parecia não exercer nenhuma influência no seu desejo. A manhã tardara a clarear, e o ambiente escuro onde entraram lhes soou um tanto acolhedor.

Sentimentos à flor da pele. Toques sensuais. Beijos calorosos. Peça por peça, e a roupa ia se espalhando pelo chão. A intimidade do corpo posta a prova naquele quarto de motel. Na rua, pessoas passavam. A cidade começava a ter vida. E entre quatro paredes, no quarto número 8, desejo, tesão, o novo, sendo experimentados. O sexo sendo descoberto.

Carícias provocantes. O ritmo crescia. O ritmo da cidade acelerava. O sol já começava a aparecer, o cheiro de sexo continuava nas ruas da cidade. Três amantes. Desconhecidos, mas se amavam.

As pernas entrelaçadas, beijos ardentes. Três corpos envoltos em si. Três corpos nus. Livres de dogmas e paradigmas. Envoltos por uma onde de paixão e desejo. Envoltos pelo prazer. Movimentos leves, sensuais. Respiração ofegante, mãos quentes, um toque firme e o ápice do prazer. O doce sabor do prazer. A pele sensível, os olhos cansados, corpos em chamas.

Lá fora o sol brilha. As pessoas correm para chegar aos seus destinos. A vida noturna dorme. Não há cheiro de sexo. O progresso vive. A selva de pedra condena. Os três, juntos. Os corpos, cansados. Os olhos, sonolentos.

A água cai sobre o corpo em um banho morno. As roupas vão se recompondo. Nada mais no chão, nada mais no quarto. Nada mais entre estes três seres. O cheiro do desejo permaneceu ali. A cidade olha, vigia, condena. A saída.

Os olhos se cruzam. Apenas a cumplicidade desconhecida nas ruas da cidade. O quarto 8 vai ficando pra trás. E como num encontro casual, a despedida singela.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

la vie en un instant


Era um dia como outro qualquer. Uma manhã de sol brindou aquela sexta-feira. Fotos foram tiradas. Sorrisos intercalavam-se à seriedade da cidade. Os edifícios estavam lá, as pessoas não. O mundo girava e o tempo passava. Era apenas mais uma sexta-feira.

Naquela manhã acordou bem cedo. Tomou seu banho. Preparou um delicioso copo de chocolate com leite. Comeu um ou dois sanduíches leves. Pegou o que devia pegar e arrumou tudo em sua mochila. Saiu, como sempre, junto ao cansaço e seus pensamentos. Não queria que fosse mais uma sexta-feira qualquer. A rotina lhe vencia todos os dias. Esta era sua hora.

E foi. Esse foi seu dia.

Olhou para o céu. O sol brilhava. Colocou seus óculos escuros e esperou o 103 que levava ao centro. Estava indo em direção à grande metrópole. Entre cinzas e o azul do céu claro, andava com sua pequena câmera na mão. Olhava ao redor e imaginava, e olhava, e pensava. Tudo lhe corria bem. Tudo iria lhe surpreender.

Cores se sobressaíam em meio à selva de pedra. Sorrisos, olhares, conversas e ideias trocadas. Um papo cabeça. Um papo pro ar. Fotos. Imagens. Representações simples do nosso cotidiano. O mundo estava lá, as pessoas não. Os edifícios brilhavam imponentes à luz do sol da manhã. Não conseguia ver as pessoas. Não conseguia ver o humano.

Olhava, admirava. Contemplava o balançar das bandeiras. O passar dos automóveis. O silenciar das pessoas que se faziam obsoletas e ausentes. Contemplou a criatividade na selva de pedra. E viu, um olhar sincero, que lhe despertou. Pessoas surgiram. O mundo girava, as horas passavam, conversas iam e vinham. Pessoas se mostraram.

Caminhou muito, até não poder mais. Seguiu observando toda a magnitude humana. Toda magnitude de sua obra. Grandiosa. Preciosa. Exuberante.

Amigos faziam-lhe companhia. Pessoas se tornaram cada vez mais numerosas. Risadas surgiam aqui e ali. A pressa se fez notar. A vida na palma da mão. Tudo a um segundo, ali. Tudo em um segundo, já.

Aqui e agora eram leis. O mundo girava e a pressa se tornou maior. Carros passavam. Bicicletas buscavam espaço. O ponto de ônibus repleto de pessoas, de olhares, de vida.

Arte. Cultura. Pessoas. Vida. A selva de pedra era habitada. A selva de pedra por instantes, por horas, esteve ali. Estava viva, mas ninguém notou. Um garoto pôs a flor no cabelo da menina. A flor roubada do jardim de um dos edifícios se destacou em meio ao cinza da selva.

Câmeras e mais câmeras. Imagens e mais imagens. Representações do ser. Do ter. Do estar. Representações do humano. Uma volta na cidade. Uma volta na galeria. O sol brilhava alto. Sorria e castigava com seu calor. Observava a tudo e a todos. Reinava.

A fome chegou. Conversas murchas apareciam aqui e ali.  Sorrisos predominavam no ar. A caminhada instintiva. O almoço, duvidoso, mas a companhia mais agradável estava lá.

A presença do beijo. A presença do sorriso. Uma troca de olhares. Uma piscada discreta e tudo se resumiu ao desejo. Um alguém no meio da multidão. Um alguém com sentimentos. Um alguém que lhe desejou.

Sorriram. Não acenaram. Discretamente se despediram. Na fila do restaurante, uma conquista. O flerte. A vida em um instante. Não mais se sentiu triste. Com os óculos pendurados em sua gola. Uns amigos por perto. Alguém que lhe desejou.

Não mais se viram. Ganhou seu dia. Rompeu com a rotina, e a surpreendeu. Rompeu com a tristeza, e lhe disse adeus. Um olhar apenas. Um gesto, um sorriso, e tudo se esgotou. A vida, em um instante, aconteceu.

terça-feira, 3 de julho de 2012

la dame à la robe fleurie

Entrou mais uma vez naquele trem, como era de rotina. Não havia lugar livre. Sentou-se no chão junto a uma das portas. Em sua frente, das janelas e vidraças da porta oposta podia se ver o mundo passar.

Sentada no banco ao lado da porta oposta estava ela. Portava-se com a elegância de uma princesa. Tinha no rosto as marcas da idade, já um tanto avançada. Levava consigo um olhar pesado. Ombros caídos, cansados.

Trocaram um olhar, e por um instante a flor na mão da dama de vestido florido estremeceu. Seu balançar suave exalava a essência da mocidade daquela senhora. Desviou o olhar da mulher. Olhou em volta e pode ver o céu azul e limpo e leve que passava rapidamente pelas vidraças da porta oposta.

Um homem com olhar triste e severo observava. Um outro, falava ao telefone celular com a alegria de um ganhador da loteria. Uma moça em pé lia sua revista e se atualizava sobre sua novela. E num banco qualquer do seu lado esquerdo, duas mulheres colocavam as fofocas em dia.

Aquela era sua rotina. Entrava naquele trem. Sempre no mesmo horário. Flutuava em suas ideias e sonhos, e observava todos à sua volta. Olhava em seus olhos, pensava no que pensavam, pensava sobre o que fariam, para onde iriam.

Anônimos. Estranhos. Pensantes. Olhares que iam e vinham pela cidade. Rotinas cruzadas. A dama do vestido florido exalava isso. Estava só, com a flor em sua mão. Pensava. Em que? Em quem? Não se sabe.

Olhou novamente à sua volta. Estava chegando a seu destino. Pôs-se de pé. Não era a única pessoa naquela posição, mas todos os olhares se voltaram para seus passos, seus atos.

O trem parou em sua estação. A dama de vestido florido lançou-lhe um olhar. Desembarcou pela porta oposta e caminhou em direção às escadas. O trem fechou-se em seu universo de ferro. Partiu. Rotinas seguiram na grande centopeia metálica que serpenteava pela cidade. A vida seguiu.

domingo, 1 de julho de 2012

l'univers secret

Naquele domingo à noite, não conseguia pensar. A pequena artista, de apenas 5 anos lhe revelara o segredo. Tudo o que se passava em sua cabeça estava ali, retratado pelo caos. Um universo misterioso, secreto e escuro.

Tal como num retrato, a ordem e o caos unidos em um único momento. A vida lhe reservava surpresas e o grande momento se aproximava. Tudo ao seu redor era calmo, tudo era paradoxo, tudo era proposital. O nada se fazia presente. Apenas mais um domingo.

O início de uma revolução. O princípio e o fim, juntos, unidos por uma tinta qualquer, ligados por entre objetos e formas e cores. O caos retratado ali. A arte mostrada entre realidades e verdades e mentiras. A pequena menina, uma fala ainda distinta, com tinta, com cores e formas.

Em algum momento se viu diante dela e não desejou estar em nenhum outro lugar. Queria estar lá, a seu lado, poder brincar de cantar, brincar de pintar, brincar de poetizar. Queria criar, criar o caos, desvendar os mistérios do início e tudo que estava preso àquela grande rede. Tudo estava ali, e nada era aquilo.

Tudo e ao mesmo tempo nada. A vida retratada pelo caos. O universo secreto daquela pequena garota, uma vida, o início da vida e tudo o que sabia era aquilo. E tudo o que sabia era nada, e tudo o que sabia era tudo. A vida diante dela, um pincel, brinquedos e diversão. Fantasia.

A pequena garota lhe deu a visão do que era, de quem era, o caos em sua mente, em seu coração, em seu corpo. Acordou em seu eu, acordou em sua essência, mas não se reconhecia como ser. Era caos, era o fim e o início, estava na ordem e na certeza.

Sua verdades jogadas ao chão como papéis velhos a serem queimados. Livros e prateleiras vazias. A visão do caos era tudo o que queria, o que precisava e o que sentia. A vida renascia em si mesma, e tudo ao seu redor passou a ser sentido, ser real.

O retrato do caos, unido pela arte, pelo fantasiar, pelo tudo e pelo nada. O pequeno e singelo sorriso, os olhos brilhantes, um abraço. O expectador passivo, vê e não pode tocar, não pode falar. Apenas um retrato e o caos e a ordem e o início e o fim. Tudo ali, ligado por linhas desconexas e reais. Ligados por redes e fios e tramas que se conectam e constroem e desconstroem o caos. A vida em um retrato sujo e emoldurado, preso a um universo secreto, estranho, caótico.

A vida em sua essência, o mistério.