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sábado, 5 de janeiro de 2013

22


Não dormira aquela noite. Com a cabeça recostada sobre o travesseiro, tudo o que pensava era em porque não conseguia dormir. Não sentia sono. Não sentia vontade de se levantar. O cansaço tomava conta de seu corpo. Mas a mente ainda funcionava como quem acabara de acordar.

Eram oito da manhã quando ela apareceu em seu quarto lhe perguntando se havia dormido bem. Negar com a cabeça foi tudo o que fez. Não se levantou. Ela foi lhe cumprimentar com um beijo na testa. Lhe deu bom dia e saiu. Não se levantou.

Permaneceu ali na cama por mais um tempo. Fechou os olhos e tentou dormir. Sem sucesso. Levantou-se. Foi até a cozinha.

Ela preparava o café. Ele ainda dormia em seu quarto. Sentou-se e tomou um copo de suco. Ela tentou conversar algo, mas não conseguiu lhe dar tanta atenção. Abriu a geladeira e viu se havia algo para comer. Não havia nada.

Ele acordou e foi ao banheiro. O viu quando passou e desejou bom dia. Ele iria trabalhar dali a pouco.  Voltou para a cama, e ela ficou na cozinha. Ligou o computador e buscou algo para ver. A paciência não era seu forte. E naquela manhã a inquietação lhe ganhou. Levantou-se.

Abriu mais uma vez a geladeira. Ele chegou pelo corredor. Pegou um papel que estava em cima do armário. Pode ver quando ele a parabenizou por algo que não sabia bem o que era. Foi em direção à mesa e serviu-se de mais um copo de suco. Eles se beijavam às suas costas.

Vinte e dois anos completavam-se. Respeito. Amor. Compreensão. Companheirismo. Uma vida juntos. Parabenizou-os e disse que sairia à padaria para comprar algo. Ela lhe deu o dinheiro e pediu que lhe trouxesse algumas coisas. Tomou seu suco. Os olhou uma vez mais e sorriu. Saiu.

Subiu as escadas. Trancou o portão e se viu diante de um sol incrivelmente brilhante. Não estava frio. Não estava quente. Era um sol agradável, exceto pela luz intensa. Caminhou pela rua deserta, exceto pela presença do homem a espera do 103.  Não ouviu muito, somente o som dos pássaros que se divertiam em um voo livre e apaixonante. Virou a esquina e caminhou.

Há poucos espaços com alguma área verde ali perto. Pode ver ainda uma das antigas árvores que ali habitava há anos. Talvez a última, todas as outras haviam caído perante o poder do homem. Diante de sua estupidez.

Chegou a seu destino. Uma moça simpática e muito baixa lhe cumprimentou. Fez seu pedido. A moça gentilmente embalou tudo. Pagou-a. Agradeceu e saiu. Ao sair, um cachorro parado bem no meio da rua lhe olhou. Não pode deixar de observá-lo. O cachorro deitou-se. Voltou para casa.

Seguiu pelo mesmo caminho de antes. Olhava ao redor e nada lhe parecia interessante. Tudo estava opaco. Tudo estava mudo. Tudo estava sem vida.

Virou a esquina. O homem já havia pego o 104. Ninguém mais na rua. Um carro passou silenciosamente. Olhou mais uma vez o brilho do sol. Parou diante da entrada e respirou fundo. Abriu o portão, desceu as escadas. Colocou as moedas que sobraram sobre a mesa. Olhou os dois ali, abraçados. Sorriu.

Serviu-se de mais um copo de suco. Comeu um biscoito que estava ali, em um pote qualquer. Preparou um pão com queijo e mortadela. Encheu o copo de suco novamente e foi para o quarto. Não fez muito depois disso.

Sentou-se em sua cama. Colocou algo para tocar. Tomou seu café da manhã. Deitou-se novamente. Pôs os fones de ouvido e ficou ali apenas ouvindo e pensando. Pensou no sol. Pensou nos dois. Pensou em seus vinte e dois anos que logo chegariam. Pensou se chegaria aos vinte e dois anos com tanto amor e respeito e companheirismo, ou se dali alguns meses tudo estaria acabado.

Adormeceu às dez da manhã ouvindo alguma dessas canções sobre o fim dos dias difíceis. Não sonhou. Apenas dormiu.

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