Não
dormira aquela noite. Com a cabeça recostada sobre o travesseiro, tudo o que
pensava era em porque não conseguia dormir. Não sentia sono. Não sentia vontade
de se levantar. O cansaço tomava conta de seu corpo. Mas a mente ainda
funcionava como quem acabara de acordar.
Eram
oito da manhã quando ela apareceu em seu quarto lhe perguntando se havia
dormido bem. Negar com a cabeça foi tudo o que fez. Não se levantou. Ela foi
lhe cumprimentar com um beijo na testa. Lhe deu bom dia e saiu. Não se levantou.
Permaneceu
ali na cama por mais um tempo. Fechou os olhos e tentou dormir. Sem sucesso.
Levantou-se. Foi até a cozinha.
Ela
preparava o café. Ele ainda dormia em seu quarto. Sentou-se e tomou um copo de
suco. Ela tentou conversar algo, mas não conseguiu lhe dar tanta atenção. Abriu
a geladeira e viu se havia algo para comer. Não havia nada.
Ele
acordou e foi ao banheiro. O viu quando passou e desejou bom dia. Ele iria
trabalhar dali a pouco. Voltou para a
cama, e ela ficou na cozinha. Ligou o computador e buscou algo para ver. A
paciência não era seu forte. E naquela manhã a inquietação lhe ganhou.
Levantou-se.
Abriu
mais uma vez a geladeira. Ele chegou pelo corredor. Pegou um papel que estava
em cima do armário. Pode ver quando ele a parabenizou por algo que não sabia
bem o que era. Foi em direção à mesa e serviu-se de mais um copo de suco. Eles
se beijavam às suas costas.
Vinte
e dois anos completavam-se. Respeito. Amor. Compreensão. Companheirismo. Uma
vida juntos. Parabenizou-os e disse que sairia à padaria para comprar algo. Ela
lhe deu o dinheiro e pediu que lhe trouxesse algumas coisas. Tomou seu suco. Os
olhou uma vez mais e sorriu. Saiu.
Subiu
as escadas. Trancou o portão e se viu diante de um sol incrivelmente brilhante.
Não estava frio. Não estava quente. Era um sol agradável, exceto pela luz
intensa. Caminhou pela rua deserta, exceto pela presença do homem a espera do
103. Não ouviu muito, somente o som dos
pássaros que se divertiam em um voo livre e apaixonante. Virou a esquina e
caminhou.
Há
poucos espaços com alguma área verde ali perto. Pode ver ainda uma das antigas
árvores que ali habitava há anos. Talvez a última, todas as outras haviam caído
perante o poder do homem. Diante de sua estupidez.
Chegou
a seu destino. Uma moça simpática e muito baixa lhe cumprimentou. Fez seu
pedido. A moça gentilmente embalou tudo. Pagou-a. Agradeceu e saiu. Ao sair, um
cachorro parado bem no meio da rua lhe olhou. Não pode deixar de observá-lo. O
cachorro deitou-se. Voltou para casa.
Seguiu
pelo mesmo caminho de antes. Olhava ao redor e nada lhe parecia interessante.
Tudo estava opaco. Tudo estava mudo. Tudo estava sem vida.
Virou
a esquina. O homem já havia pego o 104. Ninguém mais na rua. Um carro passou
silenciosamente. Olhou mais uma vez o brilho do sol. Parou diante da entrada e
respirou fundo. Abriu o portão, desceu as escadas. Colocou as moedas que
sobraram sobre a mesa. Olhou os dois ali, abraçados. Sorriu.
Serviu-se
de mais um copo de suco. Comeu um biscoito que estava ali, em um pote qualquer.
Preparou um pão com queijo e mortadela. Encheu o copo de suco novamente e foi
para o quarto. Não fez muito depois disso.
Sentou-se
em sua cama. Colocou algo para tocar. Tomou seu café da manhã. Deitou-se
novamente. Pôs os fones de ouvido e ficou ali apenas ouvindo e pensando. Pensou
no sol. Pensou nos dois. Pensou em seus vinte e dois anos que logo chegariam.
Pensou se chegaria aos vinte e dois anos com tanto amor e respeito e
companheirismo, ou se dali alguns meses tudo estaria acabado.
Adormeceu às dez da manhã ouvindo alguma dessas canções sobre o fim dos dias difíceis. Não sonhou. Apenas
dormiu.
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