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domingo, 31 de março de 2013

menina lua


Havia terminado de cortar as cebolas quando foi à sala e o viu fumando próximo à janela da sala. Sentado na beira do sofá, olhando as janelas, a fumaça desenhava formas nos ar. O ator observava algo do lado de fora. O prédio da frente estava com as luzes acesas. A árvore estava ali, imponente, dançava com o vento, brincava com as luzes, brincava com a noite.

Voltou para a cozinha. O ator ficou lá, vagando por entre formas e pensamentos. Cortou os tomates, preparou a panela, os temperos. Sentia o calor da chama do fogão, e apreciava os aromas que exalavam na pequena cozinha do apartamento 14.

Alguma música tocava ao fundo. Saiu e foi em direção à sala. O cigarro ainda exalava a fumaça que dançava, girava, e criava, formas passos e figuras. A luz de fora demarcava a silhueta. O corpo do ator. A máscara jogada para longe dali. O mundo como ele era. A vida como ela era.

O apartamento 14 conhecia ali aquela vida. Não era sua casa. Não era sua vida. Mas por algumas horas era o seu mundo. O lugar em que queria permanecer, e ser. O palco, a alma, o vício do ator.

Voltou para a cozinha e pôs-se a cozinhar novamente. Cozinhava com a paixão em suas mãos. O amor em seu peito. A música no ar.

Dançou com a faca na mão. Por alguns instantes se viu bailando ao som de uma canção leve e singela. O ator adormeceu ao som daquela canção. A canção da menina da menina da lua. A noite. A lua. O aroma no ar.

A comida estava incorporando seu ser. Sua alma. Nada muito requintado. Feito com paixão. Feito para o amor. Feito para a arte do ator.

Um telefone tocou e a saudade veio. A saudade de um mundo onde seu amor não era permitido. Um mundo onde a arte nascera. A saudade interrompida com um toque. O ator acordou. A vida voltou. A saudade.

Na pequena cozinha do apartamento 14 o aroma agradável começava a se sufocar. Espalhava-se pela casa. O calor fazia-lhe suar. Seu corpo estava ali. Sua mente estava ali. Seu coração, naquele telefonema.

Silêncio. Nenhum som no ambiente. A música havia sido desligada.

Um abraço. Um abraço vindo por trás e um beijo na nuca. Sentiu o amor. Sentiu a arte. Sentiu o ator. O mundo. O apartamento 14. Tudo ali era seu. Durante aquelas horas, aquele era seu lugar. Aquela era sua vida.

Aquele era seu sonho.