Havia
terminado de cortar as cebolas quando foi à sala e o viu fumando próximo à
janela da sala. Sentado na beira do sofá, olhando as janelas, a fumaça
desenhava formas nos ar. O ator observava algo do lado de fora. O prédio da
frente estava com as luzes acesas. A árvore estava ali, imponente, dançava com
o vento, brincava com as luzes, brincava com a noite.
Voltou
para a cozinha. O ator ficou lá, vagando por entre formas e pensamentos. Cortou
os tomates, preparou a panela, os temperos. Sentia o calor da chama do fogão, e
apreciava os aromas que exalavam na pequena cozinha do apartamento 14.
Alguma
música tocava ao fundo. Saiu e foi em direção à sala. O cigarro ainda exalava a
fumaça que dançava, girava, e criava, formas passos e figuras. A luz de fora
demarcava a silhueta. O corpo do ator. A máscara jogada para longe dali. O
mundo como ele era. A vida como ela era.
O
apartamento 14 conhecia ali aquela vida. Não era sua casa. Não era sua vida.
Mas por algumas horas era o seu mundo. O lugar em que queria permanecer, e ser.
O palco, a alma, o vício do ator.
Voltou
para a cozinha e pôs-se a cozinhar novamente. Cozinhava com a paixão em suas
mãos. O amor em seu peito. A música no ar.
Dançou
com a faca na mão. Por alguns instantes se viu bailando ao som de uma canção
leve e singela. O ator adormeceu ao som daquela canção. A canção da menina da
menina da lua. A noite. A lua. O aroma no ar.
A
comida estava incorporando seu ser. Sua alma. Nada muito requintado. Feito com
paixão. Feito para o amor. Feito para a arte do ator.
Um
telefone tocou e a saudade veio. A saudade de um mundo onde seu amor não era
permitido. Um mundo onde a arte nascera. A saudade interrompida com um toque. O
ator acordou. A vida voltou. A saudade.
Na
pequena cozinha do apartamento 14 o aroma agradável começava a se sufocar.
Espalhava-se pela casa. O calor fazia-lhe suar. Seu corpo estava ali. Sua mente
estava ali. Seu coração, naquele telefonema.
Silêncio.
Nenhum som no ambiente. A música havia sido desligada.
Um
abraço. Um abraço vindo por trás e um beijo na nuca. Sentiu o amor. Sentiu a
arte. Sentiu o ator. O mundo. O apartamento 14. Tudo ali era seu. Durante
aquelas horas, aquele era seu lugar. Aquela era sua vida.
Aquele
era seu sonho.